Nas Sombras do Mar
Existem muitas coisas que acontecem nos bastidores de um trabalho espiritual, pena que as pessoas normalmente estão totalmente cegas para isso. Um centro, terreiro, igreja, templo, ou outro local onde as pessoas reúnam-se diariamente com objetivos sadios, com a intenção de crescer e vibrar luz e amor sobre a atmosfera de trevas terrestre, é sempre apenas o “meio”, um dos muitos anéis da corrente espiritual, que se começa lá no alto do altíssimo, termina no mais escuro e sombrio abismo. Do alto, as inspirações superiores chegam, no “meio” elas tomam forma e viram atividades de luz, e lá embaixo, essa luz começa a rasgar as trevas...
Durante à noite tenho uma saída consciente para fora do corpo físico. No começo não diviso muito bem onde estou, nem mesmo quem me conduz. Mas a simples noção de que estou fora do corpo físico, já é o suficiente para melhorar incrivelmente minha lucidez. Percebo então que sou conduzido por uma entidade, um guia espiritual. Relembro de uma gira de Umbanda a qual participei alguns dias atrás, e do convite que ele me fez. Realmente ele veio me buscar, conforme o prometido, para esclarecer um pouco sobre o outro lado dos trabalhos espirituais.
Estamos volitando acima de uma praia, bem em baixo da Lua, que, de cima, brilhava de forma incrivelmente estranha nesse lugar, parecendo mais sombria, mais selvagem. A paisagem também, ao contrário do que possa parecer, não é nada amistosa. Milhares de espíritos desencarnados rastejam pela praia, outros, completamente loucos, degladíam-se sem motivo aparente. Gritos de pavor misturam-se a gritos de socorro. Lamentos, choros, gemidos. Começo a me sentir um pouco mal com aquelas vibrações e perco um pouco de minha lucidez mental. A entidade guia segura firme meu braço e transmite-me energias que trazem maior firmeza e segurança. Nós estamos descendo...
Lentamente pousamos e vamos andando para que então, eu possa visualizar melhor a extensão do problema. Realmente lá estão espíritos de homens e mulheres, todos perdidos e alucinados por suas próprias consciências. O sofrimento consciencial e emocional que muitas pessoas passam após o desencarne é terrível. Alguns golpes de vento começam se abater sobre nós, algo violento e ameaçador, trazendo um cheiro pestilento. Mas continuamos andando. Na verdade estou diretamente atrás do meu guia naquelas estranhas paragens marítimas.
Em dado momento, ele pede para aproximar-me, mostrando algo inusitado. Estamos frente a frente com um “grande lixão” na praia. Mas, o mais curioso, são as coisas presentes nesse lixão: velas, espelhos, fitas, garrafas, restos animais, alguidares, etc, etc. Tudo elemento utilizado em trabalhos, e pela energia ali presente, trabalhos realizados com intenções negativas. O ambiente está infestado da carga psíquica doentia que existe, como intenção, por detrás desses trabalhos. Larvas astrais, criaturas estranhas, formas-pensamento, espíritos agarrados a essas energias, massas energéticas escuras. Tinha de tudo lá. Antes que eu perguntasse algo, o guia veio a esclarecer:
_ Isso aqui é um “lixão”, com as sobras energéticas dos trabalhos realizados a beira-mar. Todo elemento depositado a beira-mar em processos de magia, contém um duplo energético, uma contraparte etérica, que fica a partir do astral vibrando, acumulando e projetando energias, no sentido de realizar o intento do mago operante. O trabalho pode ser retirado na matéria, mas no duplo da praia ele ainda assim fica vibrando, até que seja desmanchado ou realize o seu intento. Aqui é um local para onde são trazidos esses tipos de sobra energética dos trabalhos negativos, onde, ou essas energias muito densas serão anuladas pelo magnetismo ambiente, ou serão transmutadas e utilizadas com outros objetivos. Aqui também podem ser despejadas as energias negativas descarregadas a beira-mar, através de trabalhos com os irmãos Exus e Pombagiras. O trabalho recolhe as energias e despeja aqui, que como eu disse, ou serão anuladas ou transmutadas...
_ Entendi. Mas então, isso deve acontecer também com as oferendas e trabalhos realizados por nós umbandistas, para os Orixás e as linhas de direita _ perguntei.
_ Não, pois quando o trabalho é dessa ordem, existe uma sutilização das energias dos elementos e total aproveitamento delas, seja em benefício da própria pessoa, seja em benefício de outras pessoas. O duplo dos elementos ou é totalmente utilizado, ou é transportado para outros lugares, afins com o trabalho e a energia movimentada. Além disso, esses elementos serão recebidos por entidades e espíritos da natureza, pertencentes a planos espirituais elevados, que atuarão com a energia a disposição em outros sentidos. A única preocupação com esses tipos de trabalho deve ser em relação à praia material, pois essa sim, pode ficar poluída.
_Certo, mas aonde é que estamos afinal?
_ Todo reino da natureza, é habitado por muito mais inteligências que os olhos humanos podem ver. Assim como os rios, as montanhas, as matas, o oceano é portal de acesso e desembocadura de muitas dimensões espirituais e naturais. Nós estamos em um dos muitos planos negativos ligados ao mar e a energia das águas. Muitos espíritos complicados, viciados, loucos, são atraídos por afinidade e, a partir de seus desequilíbrios emocionais, plasmam coletivamente esse ambiente terrível que você vê. As inteligências superiores deixam que isso aconteça, pois, aqui, próximo aos reinos naturais, existem poderosos recursos energéticos para auxílio desses irmãos. E assim também acontece com as montanhas, com as matas, etc. Também a partir daqui, espíritos da natureza poderão atuar em auxílio do próximo.
Pensei o quão interessante era tudo aquilo. Lembrei-me na hora de um romance umbandista que eu tinha lido, onde um espírito denominado Cavaleiro da Estrela Guia levava muitos outros para serem curados com o auxílio da vibração marítima. Lembrei também do espírito André Luís, comentando veladamente em um dos seus livros, um trabalho de cura com as energias e espíritos ligados ao reino vegetal.
O Marinheiro que tinha sido meu guia até o momento, tirou-me do devaneio chamando atenção para uma movimentação que ocorria na praia. Um navio aproximava-se da costa. Era um grande navio, mas com um estilo um pouco rústico, antigo, talvez seja a palavra mais correta. Uma grande bandeira negra hasteada podia ser vista. Parecia mais um navio pirata. Dele, muitos espíritos com a roupagem que na Umbanda chamamos de Marinheiros desciam. Era um trabalho de resgate.
Hahaha, aqui começa a sua parte também, ou você achou que eu ia te trazer aqui para você ficar olhando. Vamos trabalhar rapaz!
E começamos todos a levar muitos daqueles espíritos sofredores para dentro do barco. Usávamos da volitação e o processo era bem rápido. Alguns em estado mais complicado eram tratados ali mesmo. Como sempre, pude ver que não apenas desencarnados trabalhavam, mas também muitos encarnados projetados. Inclusive pessoas bem conhecidas minha, como o médium do marinheiro que me levou até lá.
Em um ou outro lugar, alguns verdugos, espíritos bem fortes e perversos tentavam impedir o resgate realizado, mas eram reprimidos tanto pelos marinheiros como pelos exus guardiões que desceram juntos do barco. Depois de algum tempo, ninguém mais demonstrava muita coragem de tentar alguma coisa.
Para minha surpresa, em determinado momento, estava auxiliando um espírito extremamente violento a subir no barco, quando ele me “reconheceu” e começou a me ofender. O amigo marinheiro prostou-se ao meu lado e disse:
_Esse aí foi mandado para cá naquele dia de trabalho espiritual. Muitos dos que estão aqui vêm dos trabalhos de limpeza e desobsessão realizados pelos terreiros de Umbanda aí afora. Por isso, talvez você encontre mais algum “amiguinho” por aí, hehehe...
Bom, não encontrei mais nenhum, mas anotei mentalmente isso, pois tinha tudo a ver com o que os guias a tempo me passavam em relação ao auxílio dos espíritos que, muitas vezes, são arrastados para as trevas nos embates e demandas espirituais. Coisa que pouco umbandista têm olhos para ver, e muito menos vontade de auxiliar.
Passado algum tempo, lá do alto do navio, um dos marinheiros soou uma corneta que fez um barulho ensurdecedor. Era o toque de retirada. Aqueles que deviam ser auxiliados já tinham sido colocados a bordo. Era hora de retirar-se. Devo explicar que aquele barco era um grande veículo de transporte em massa para espíritos sofredores. Feito de matéria astral a partir da força mental de toda aquela egrégora conhecida como “marinheiros”, que atuavam, amparados por mamãe Iemanjá, para o auxílio do próximo. A partir dele, aqueles espíritos seriam transportados para outros lugares de assistência e socorro espiritual. Novamente lembrei-me do espírito André Luiz e das “Casas Transitórias”. Ali, era algo parecido.
Quando todos nós volitamos para dentro do navio algo inesperado ocorreu. Belas mulheres começaram a sair do mar. Traziam uma luminosidade incrível, de um azul safirino muito belo. Centenas delas, iluminando toda a costa da triste praia. Fiquei emocionado, seriam elas as tais sereias, encantadas de mamãe Iemanjá que nós víamos cantar nos terreiros de Umbanda por aí afora?
_Salve as Sereias! _um dos marinheiros gritou!
_Salve! _Gritamos todos nós em uníssono som.
E elas colocaram-se a cantar. Devo dizer que era uma melodia incrível. Não se escutava com a audição espiritual, não, era muito sutil para iso. Escutava-se com o centro de força cardíaco, e tanto era assim, que no centro do peito de todos nós, um brilho azulado surgiu. O canto das sereias ia como uma grande onda limpando a atmosfera energética da praia. A Lua parecia menos agressiva agora, e as trevas dissiparam-se um pouco. Uma pena, mas a maioria dos espíritos ali presentes na praia não conseguia nem mesmo perceber a divina melodia, presos em seus próprios pensamentos e culpas. Mas aquela energia emanada do canto, decaía sobre o corpo espiritual de todos eles, como bálsamo para sua feridas e chagas emocionais. De alguma forma, que estava além da minha compreensão, isso trazia mais lucidez e equilíbrio emocional para aqueles espíritos.
O “lixão” também foi alcançado por aquele canto e o duplo dos objetos, assim como as formas pensamento, larvas astrais e as cargas psíquicas negativas foram sendo diluídas. O encantador canto das sereias realizava um incrível trabalho de transmutação energética no ambiente. Algo muito semelhante, apesar de ser em muito maior escala, com o que acontece nos terreiros de Umbanda, que tem liberdade para chamar essa linha. Quando manifestadas nos médiuns, as sereias emitem suas vibrações e o médium, atuando como um catalisador delas, coloca-as no mesmo tônus vibratório de todas as pessoas da assistência nos terreiros. Algo simples e eficaz, mas que toca diretamente o coração com grande força realizadora.
É certo que muitos espíritos ainda continuavam na dor e no sofrimento naquela praia, localizada em uma dimensão espiritual “negativa” ligada ao mar, mas todo o trabalho ali realizado tinha, com certeza, “aliviado” muito a barra, afinal, tudo tem o seu tempo. Com certeza outros trabalhos como aquele, acontecerão outras vezes.
Aos poucos, aquelas encantadas do mar começaram a se retirar. Vi ainda, quando uma, que trazia uma pequena coroa em sua cabeça, volitou até o barco e trouxe um objeto brilhante para aquelas falanges de marinheiros. Não sei o que era, pois não consegui divisar muito bem, mas eles vibraram muito...
Eu estava volitando um pouco acima do barco, quando o toque de partida foi dado. Ia pousar nele, quando o marinheiro, que tinha patrocinado a visita até aquele ambiente, disse-me:
_Aonde você pensa que vai?
_Ué, vou com vocês! _ Respondi eufórico...
_Hahaha, era só o que me faltava mesmo. Você vai é voltar para seu corpo físico e escrever tudo o que passou aqui. O combinado era esse, lembra? Além do mais, vai ser um milagre você lembrar tudo que se passou, mesmo com a lucidez do momento.
_ Ah tá..._ Exclamei meio decepcionado!
_ E não adianta fazer essa cara não, “Espumosa”! _ Esse era um apelido que ele tinha me dado, devido a minha cor “amarela”.
_ Falando sério, concentra agora em não perder essa experiência quando acordar. Ela traz alguns lances importantes para o pessoal. Quando acordar senta um pouco quieto e tenta rememorar tudo. Mesmo que os rostos ou uma ou outra coisa sumam de sua memória, persiste e escreve!
_Tá certo, vou fazer o melhor que puder...
Dei um abraço no marinheiro, que apesar de ser meio sarcástico e ter um jeitão estranho, era alguém que trazia algo muito bom dentro do campo dos sentimentos. Fiquei emocionado, e antes que eu pagasse o mico de chorar ali na frente dele, o que com certeza iria virar motivo de piada, concentrei-me em voltar ao corpo sem perder a lembrança da experiência. O marinheiro ministrou alguns passes na região da nuca e da cabeça extrafísica. Senti o puxão do cordão de prata, com uma grande sensação de queda posteriormente. Acordei aqui no meu quarto. Ainda estava tocando o CD de relaxamento que eu deixei rolando, enquanto tentava me projetar...
“Olha o canto triste do mar
É marinheiro que se põe a navegar,
Pelos sete mares, na madrugada
Do reino de Iemanjá...
Faça uma oração
Escute a sereia cantar
E veja a bandeira negra, com a espada que corta o mar
E veja a bandeira negra, com a caveira que assombra o luar
Seu marinheiro e e á
Na sua força eu aprendo a caminhar
Seu marinheiro e e á
Me dê sua mão, e me ensine a velejar...”
Fernando Sepe
| Att. Ricardo Zapparoli |
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